Impossível ver uma camisa amarela com gola careca verde e punhos da mesma cor e não vir à mente a letra de "Pra Frente Brasil" na mente, junto com todas as outras recordações da Seleção Brasileira de 1970, de Carlos Alberto Torres erguendo a Jules Rimet no Estádio Asteca abarrotado de gente, do Rei do Futebol, Pelé, quando falava com suas jogadas espetaculares (pq ele falando com a boca é um poeta, como diz Romário), de Jairzinho, Gérson... Salve aquela Seleção!
E aquela camisa de tecido sintético de 1994, com marcas d'água do escudo da CBF de gosto duvidoso? Para muitos, tal pedaço de pano sempre trará a lembrança vívida dos gritos de "É TETRA" do Galvão Bueno, depois que Roberto Baggio cobrou o pênalti mais lembrado de todos os tempos. Também evoca Romário e Bebeto aterrorizando as zagas adversárias e um tempo em que o futebol brasileiro, condenado ao ostracismo, deu a volta por cima e mostrou quem manda no planeta bola.
Pois é esse o principal objetivo deste blog. Como uma biblioteca e seus livros, aqui nesta verdadeira "Mantoteca", você poderá ver as melhores histórias sobre futebol, contada pelos uniformes que marcaram época. Dá para contar a história de um jogo épico, de um campeonato inesquecível, dá até para contar a história de um PAÍS falando de uma camisa de futebol!
E hoje, vou começar pelo meu time do coração e o principal motivo de ter uma coleção de camisas: o Clube de Regatas do Flamengo.
Talvez a camisa do clube fundado em 1895 fundado por 6 jovens remadores, e que chegou ao futebol no ano de 1912, seja a camisa reserva branca de 1981. Foi com ela que o time mais forte do clube rubro-negro conquistou seu título mais importante: o Mundial de Clubes após aplicar um acachapante 3x0 no Liverpool de Bob Paisley (também era o time mais forte da história dos Reds, mas aí é outra história), com o time comandado por Zico. Tal camisa fez tanto sucesso que foi reeditada várias vezes na história do Flamengo, sendo a última no ano de 2011, quando o título completou 30 anos.
Porém, não será dessa camisa que falaremos hoje. Vou falar de uma camisa muito especial do Flamengo, que todos os torcedores rubro-negros lembram-se com carinho: a camisa rubro-negra de 2000/2001.
Comprei esta camisa numa feira de antiguidades que tem todo sábado na Praça XV, por míseros 20 reais. A mulher que me vendeu com certeza não tem noção do valor real dessa camisa. Se hoje os rubro-negros vivem a euforia da volta da Adidas ao clube, lá no meio do ano 2000 os flamenguistas se orgulhavam de ser o primeiro clube brasileiro a vestir Nike, que aqui no Brasil só fornecia uniformes para a Seleção Brasileira. A americana Nike estava substituindo a Umbro, tradicional marca inglesa que fez os uniformes do Fla de 1992 até então, e ficaria na Gávea até o meio de 2009.
Mas, mesmo com um esquadrão no papel, o Flamengo fracassou feio na João Havelange. Não conseguiu classificar-se para a fase de mata-mata, numa época em que 12 times passavam para a fase posterior, muito pouco para a equipe que foi montada. Mesmo assim, houveram jogos inesquecíveis naquele campeonato, como a "carimbada de faixa" no Vasco, uma goleada de 4x0 com 2 gols de Edílson, um de Petkovic de falta (familiar, não?) e outro do jovem Adriano de 18 anos. E contra um Corinthians que teve nove derrotas seguidas no campeonato, após começar o ano ganhando um Mundial de Clubes, o primeiro organizado pela FIFA, o Flamengo passeou em pleno Pacaembu, goleando o Timão por 4x1, 3 gols do Alex. Os vídeos dos dois jogos estão abaixo:
Mas o Flamengo não disputou só o Brasileirão no fim de 2000. Estava defendendo o título de Campeão da Copa Mercosul, título que havia conquistado no ano anterior. Passou em 2o lugar num grupo com o River Plate de Saviola e Aimar, o Vélez Sarsfield e um carrasco dos anos recentes, a Universidad de Chile. Destaca-se a goleada de 4x0 que o Flamengo aplicou na "La U" em pleno Estádio Nacional de Santiago, uma partidaça do goleiro Julio Cesar, que ajudou a manter o placar favorável apenas ao Mengo. Outros tempos.
Classificado para as quartas de final, o Flamengo enfrentou o River Plate novamente. Perdeu no Maracanã por 2x1 e quase reverteu o placar em Buenos Aires, num jogo repleto de viradas. Estava ganhando de 3x2 até os minutos finais, quando "Los Millonários" acharam 2 gols e evitaram a disputa de pênaltis. Terminou 4x3 e o Flamengo se despediu daquela Copa Mercosul, que seria ganha pelo Vasco, numa partida memorável para todos os amantes de futebol, a famosa virada de 3x0 para 4x3 sobre o forte Palmeiras no Palestra Itália (Allianz Parque é o cacete).
Chegou 2001, Alex e Denílson se despediram do Flamengo, salários começavam a atrasar, e o Cariocão começou. Junto com ele, a Copa do Brasil, já que o Fla não tinha conseguido vaga para a Libertadores. Era chegada a hora de disputar o quarto Tricampeonato Estadual, após vencer em 1999 e 2000 duas finais sobre o Vasco. Mas antes disso houve o Torneio Rio-São Paulo, e o Flamengo, usando um uniforme III vermelho, fracassou lamentavelmente, com 4 derrotas em 4 jogos.
Na Taça Guanabara, 1o turno do Carioca, o Flamengo venceu 5 jogos e perdeu apenas 1, classificando-se para a semifinal contra o Vasco, que vinha de vários títulos importantes do ano anterior. Vitória rubro-negra por 2x1 e então final contra o rival Fluminense, que se recuperava do trauma do tri-rebaixamento do final dos anos 90, tendo feito uma ótima campanha na Copa João Havelange. O jogo terminou 1x1 e foi para os pênaltis, onde ocorreu uma das coisas que só existem no futebol: na hora da cobrança do jogador Cássio do Flamengo, o goleiro tricolor Murilo conseguiu espalmar a bola para a frente, porém, a bola foi levemente indo para trás até entrar de mansinho no gol, que foi validado. Final: 5x3 nas penalidades pro Flamengo, título da Taça Guanabara e classificação para a final
Na Taça Rio, disputada nos pontos corridos, o Flamengo, já classificado, fez uma campanha razoável, mas ficou atrás do Vasco, campeão do 2o turno. Aliás, um dos destaques vascaínos daquela campanha foi a sonora goleada de 7x0 em cima do Botafogo. E, além disso, o time cruzmaltino seguia bem na Taça Libertadores.
Enquanto a finalíssima do Cariocão não chegava, o Flamengo ia eliminando seus concorrentes na Copa do Brasil. River do Piauí, ABC de Natal, Juventude-RS, até chegar no Coritiba. Os dois jogos contra o Coxa seriam intercalados com os dois jogos da final do Carioca, onde o Vasco da Gama possuía a vantagem do empate na soma dos resultados por ter feito melhor campanha geral
Em Curitiba então, vitória do time do Alto da Glória por 3x2, na quarta. No domingo era hora de encarar o Vasco no 1o jogo, num Maracanã lotado. Pela primeira vez naquelas 3 finais, o Flamengo tinha um time que podia entrar como favorito contra o Vasco, mas a vantagem do empate vascaíno deixava as apostas em aberto.
No 1o jogo, o Flamengo saiu na frente no placar, mas o Vasco, o "Time da Virada", conseguiu reverter, sendo que o segundo gol foi do Viola, mais um atacante consagrado daquele time que também tinha o eterno Romário (Edmundo havia ido para o Cruzeiro), que não jogou a final pois estava lesionado. Agora, o favoritismo era todo do Vasco, que podia até perder por 1 gol de diferença e sair campeão, evitando o Tri do rival.
No meio de semana, outro péssimo resultado. O empate no Maracanã contra o Coritiba eliminava o time da Copa do Brasil. Não tinha jeito, para salvar o primeiro semestre de 2001, um milagre havia de ocorrer no domingo, 27 de Maio de 2001. O Flamengo teria que arranjar 2 gols de diferença contra o Vasco.
Ao contrário do esperado, o Maracanã estava predominantemente rubro-negro. A torcida do Vasco também veio em peso, porém os flamenguistas estavam em maior número. Parecia até que era o Flamengo que estava com a vantagem.
E o tal milagre parecia real. O Flamengo começou o jogo apertando o forte time do Vasco e chegou ao gol aos 21 do 1o tempo, num pênalti cobrado por Edílson. A torcida rubro-negra cresceu, era só fazer mais um, mas Juninho Paulista, ainda não afetado pelas lesões que abreviariam sua carreira, empatou o jogo aos 40 do 1o tempo, numa jogada rápida de contra-ataque. Vasco com uma mão e meia na taça e fim de 1o tempo.
O milagre teria que ser maior. E logo aos 8 do 2o tempo, ele se anunciava novamente. Petkovic entra pela esquerda, finta a zaga do Vasco e cruza na cabeça de Edílson. Gol do Capetinha, 2x1 Flamengo. E então, milhares de gols perdidos se seguiriam, tanto pela parte do Flamengo, tanto pela parte do Vasco, que era puxado pelo "filho do vento" Euller. O goleiro Julio César, mesmo com seus 21 anos, já mostrava porquê se tornaria titular da Seleção Brasileira no futuro: fez defesas milagrosas e foi extremamente seguro.
O jogo chegava aos 40 minutos. A torcida do Vasco já cantava "Vice é o c...", em resposta às provocações de vice-campeão vindas do lado rubro-negro das bancadas. Joel Santana, técnico do Vasco na época, era expert em finais de Carioca, e sabia muito bem recuar o time nestes momentos. Zagallo, técnico do Flamengo, segurava seu Santo Antônio na mão e esperava por um milagre. E aos 43 minutos do 1o tempo, Edílson é derrubado numa falta infantil, um pouco afastado da entrada da área.
Dejan Petkovic estreou no início de 2000 pelo Flamengo, já havia enfrentado o Vasco vestido com a camisa do Flamengo, já havia feito um gol de falta nos rivais no ano anterior e até mesmo um gol olímpico. Se Petkovic fizer aquele gol, todos os outros serão praticamente esquecidos. Ainda haveria tempo para o Vasco reagir, mas certamente o time deles ficaria abatido. Mas a falta era um pouco longe, mais longe que aquela do 4x0 de 2000. E Pet cobrou, a bola fez uma curva, Helton (hoje no Porto) se esticou todo... mas não evitou.
Gol do Flamengo. O milagre aconteceu. Petkovic correu para a torcida e, emocionado, jogou-se no chão, onde foi abraçado por todos os seus companheiros de equipe, incluindo o banco de reservas. Ainda havia jogo, mas o Vasco não conseguia criar mais nada. O Flamengo ainda teve a chance de um 4o gol, mas Roma, um promissor jogador da base do Flamengo que entrara no jogo (e que sumiu), desperdiçou a chance. Não importava. O Flamengo conquistava o Tricampeonato Carioca. E o Vasco, mesmo com um time que ganhou quase tudo, era vice pela terceira vez seguida. E ainda seria eliminado da Libertadores pelo Boca Juniors de Carlos Bianchi na semana seguinte.
Naquela época, havia um torneio em Julho chamado Copa dos Campeões. O Flamengo ganharia do São Paulo (que entrou como campeão do Torneio RJ-SP) e se sagraria campeão novamente, mas aí já usava uma camisa nova, com algumas diferenças em relação a primeira feita pela Nike, com duas estrelas a mais (a estrela do tetra-tri + a estrela dourada do Mundial de 81), e que seria utilizada até 2004.
Essa foi a primeira história contada pelo Blog. Como vocês viram, cada camisa tem sua história. Histórias bonitas ou feias, não importa. Sejam bem-vindos à Mantoteca.
Curiosidade: foto do Jornal do Brasil da apresentação dos uniformes de 2000 da Nike:
Jogo completo da final do Carioca 2001:
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