segunda-feira, 7 de abril de 2014

[Série Copa do Mundo 2014] Suíça 2004-05 - Eterno ferrolho.

Depois de interrupções (só para variar), volto com a Série Copa. Agora, com a cabeça-de-chave do Grupo E, a Suíça!


A camisa que tenho aqui é uma das imensas exceções da minha coleção. É uma camisa tamanho P, ou seja, não posso vesti-la. Mas tenho um excelente motivo para guardá-la: foi um presente de uma amiga que mora em Zurique.


O dia em que ganhei essa camisa também foi muito especial para os suíços. Afinal, foi no dia em que a seleção do país deles ganhou o direito de disputar a Copa do Mundo no Brasil, após vencer a Albânia em Tirana. Assisti ao jogo com a amiga citada acima, ela ficou tão emocionada com a classificação de seu país para a Copa que até chorou emocionada. E não foi só ela, a reação dos suíços em geral era de euforia. Tanto que na minha coleção, que não se restringe só a camisas, está o principal jornal do país no dia seguinte ao do jogo: parecia que os suíços nem precisavam ganhar a Copa, pois a classificação para o certame já era como um título.  Segue a foto da capa do jornal:


Mas creio que o motivo principal de ter recebido essa camisa não foi pelo fato da eufórica comemoração da classificação para a Copa. Talvez por um detalhe na parte de trás, que justifique tudo. Minha amiga é torcedora fanática do Grasshoppers, e a camisa que ganhei tem o nome e número do zagueiro Ludovic Magnin, que encerrou sua carreira em 2012 vestindo justamente a camisa do arquirrival dos "Gafanhotos", o FC Zurich. Conseguiu matar dois coelhos com uma cajadada só: livrou-se da camisa de um ex-jogador do time rival e ainda deu um presente para o amigo guardar na sua coleção. E continuará guardado, mesmo sem poder usá-la. Presente é presente. Ainda mais se é mais camisa pro acervo.



Sobre a camisa, ela é de 2004, ano da Eurocopa que foi disputada em Portugal. Nomes como os dos atacantes Frei e Chapuisat, do próprio Magnin (que usou a 14 no torneio), além de outros jogadores como os irmãos Yakin, Gygax, Barnetta e Vonlanthen eram nomes conhecidos daquela seleção treinada pelo Köbi Kuhn, que era treinador dos suíços desde 2001. A Suíça classificou-se como líder no seu grupo das eliminatórias, num grupo que contava com a Rússia, Irlanda, Albânia e Geórgia. Lembrando que a Suíça não conseguiu classificar-se para a Copa do Mundo de 2002, feito que russos e irlandeses conseguiram.

O grupo em que os suíços caíram na fase final da Euro era bem mais difícil. Afinal, já contava com duas pedreiras: França e Inglaterra. Além da Croácia, que mesmo já não sendo aquela de 8 anos atrás, ainda era temida. O primeiro duelo seria contra os croatas na cidade de Leiria, que vinham com jogadores como os atacantes Olic e Prso. Mesmo assim, a Suíça honrou sua tradição de jogo recuado e assim ficou: um modorrento 0x0 onde a maior "emoção" foi a expulsão do meia suíço Vogel.

Site da foto: http://www.santabanta.com/gallery/sports/euro-2004/switzerland%60s-christoph-spycher-is-tackled-by-croa/6996/

Já na cidade universitária de Coimbra, no dia 17 de Junho, a Suíça não conseguiu segurar a Inglaterra. Wayne Rooney, na época com 18 anos, abriu o placar aos 23 do 1o tempo. Demoraria, mas o próprio Rooney faria o seu segundo na partida aos 30 do 2o tempo. Steven Gerrard deu números finais ao jogo no minuto 37: 3x0. O ferrolho foi desfeito com facilidade pelos ingleses. No vídeo abaixo, pode-se conferir os 2 gols que o jovem Rooney (que ainda jogava no Everton!) fez naquele jogo.


Mesmo com a derrota, a Suíça ainda tinha chances de se qualificar no último jogo. O empate entre Inglaterra e França na 1a rodada e entre França e Croácia na 2a rodada deixava os suíços necessitando de uma improvável vitória contra os franceses para conseguir avançar até o mata-mata. Mas será que vencer um time com jogadores como Thuram, Lizarazu, Makélélé, Vieira, Trezeguet, Henry e o craque Zidane seria possível com a aparente estratégia eterna da Suíça de jogar na retranca? O próprio camisa 10 francês deu a resposta aos 20 do 1o tempo, em Coimbra, abrindo o placar naquele dia 21 de Junho. Mas o atacante Vonlanthen empatou seis minutos depois e deixou tudo em aberto. Mesmo com uma boa linha de frente, a França não conseguia penetrar mais na retranca suíça. Mas a estrela de Thierry Henry, que vivia uma fase magnífica no Arsenal (havia acabado de ser campeão invicto com os ingleses na Premier League), brilhou mais alto. Fez o gol de desempate aos 31 e o 3o gol aos 39 do 2o tempo, classificando os franceses e eliminando os suíços daquela Euro.

Foto: Getty Images

Por ironia do destino, outra seleção que se apoiava na retranca acabaria ganhando aquele torneio: a Grécia, mas essa é outra história. O que importava é que naquele ano de 2004, além da dura eliminação, fazia  10 anos que a Suíça não frequentava uma Copa do Mundo. E naquele ano ainda começariam as eliminatórias para a Copa de 2006, na vizinha Alemanha. Era hora de voltar para o Mundial. E não seria fácil, já que a mesma França responsável pela eliminação do time na Euro seria um dos adversários do grupo eliminatório. A Irlanda, buscando ir para mais uma Copa consecutiva, também queria o seu lugar ao sol. Israel, Chipre e  Ilhas Faroe ficariam só assistindo, provavelmente.

A Suíça, no dia 9 de Setembro, ganhou três pontos de presente. Mesmo na retranca, era absolutamente loucura pensar que a fraca seleção das Ilhas Faroe conseguiria tirar ponto no jogo que ocorreria na Basiléia. E o resultado foi exatamente o esperado: 6x0 para a Suíça, com dois "hat-tricks", um de Vonlanthen e outro de Alexandre Rey.

O jogo seguinte, 4 dias depois, também na Basiléia, era mais complicado. A Irlanda também é uma adepta da retranca, resumindo, o prognóstico mais óbvio era o empate. Até que o gol saiu cedo, com Morrison abrindo o placar para os visitantes, aos 8 da etapa inicial. Nove minutos depois, Hakan Yakin empatou. E não saiu disso. Quem apostou no empate, se deu bem: 1x1.

Um mês depois, era hora de embarcar até o Oriente Médio e encarar Israel na Terra Santa. O roteiro do jogo contra a Irlanda parecia se repetir: o meia Benayoun (antes de ir para o futebol inglês) abriu o placar no comecinho, aos 9 minutos. Frei empatou aos 26 daquela etapa, mas Vonlanthen viraria o jogo oito minutos depois. Os suíços terminaram o primeiro tempo em vantagem, mas logo quando o segundo tempo começou, aos 3 minutos, Benayoun fez o seu segundo no jogo. E quando parecia que o jogo esquentaria de vez, o segundo tempo passou daquele jeito até acabar. Mais um empate, dessa vez em 2x2.

A Suíça faria o seu próximo jogo apenas em Março de 2005. Mas seria "o jogo". Afinal, de todos os confrontos previstos, era evidente que enfrentar a França no Stade de France não era tarefa nada fácil. Apesar da imensa expectativa, o jogo foi muito fraco, mas a Suíça conseguiu sair com um ponto do país vizinho: o 0x0 só foi feio para quem assistiu.

Ainda no fim daquele mês de Março, a Suíça voltava a jogar em casa. Vencer o Chipre em Zurique era importante, até para quebrar a sequência de 3 jogos sem vencer (embora ainda estivessem invictos nas Eliminatórias). Já no apagar das luzes, Alexander Frei fez o seu gol aos 42 do 2o tempo, e fez enfim a Suíça conquistar sua segunda vitória no torneio.

Em Junho de 2005, a Suíça voltava em campo de novo. Dessa vez foi até as Ilhas Faroe começar o returno. Wicky abriu o placar aos 25 da 1a etapa, mas Jacobsen empatou aos 25 do 2o tempo. Mesmo fora de casa, mesmo com seu estilo de jogo defensivo, era inadmissível perder ponto para um dos mais notórios saco-de-pancadas da Europa. E Frei novamente foi decisivo: dois minutos depois do empate, ele desempatou a partida e ainda fechou a conta marcando aos 39. Terceira vitória dos suíços.

Em Setembro, os israelitas desembarcavam na Basiléia. A Seleção de Israel estava firme na briga para a classificação, ao contrário do que se pensava. Era ameaça inclusive aos franceses e irlandeses. A Suíça parecia ter entrado no caminho das vitórias, com o gol de Frei logo aos 6 minutos de jogo, após um lance muito esquisito. Mas ainda no primeiro tempo, Keisi empatou. Ao contrário do jogo de ida, não houve maior tentativa de reação. Os dois times terminaram empatados, invictos nas Eliminatórias e firmes na briga para a classificação.

O Chipre também era candidato a apanhar muito nas eliminatórias, mas costuma fazer um jogo mais duro quando joga na sua ilha. Dias depois do empate com Israel, os suíços abriam o placar em Nicósia com Frei, aos 15 minutos do 1o tempo. Mas o cipriota Aloneftis logo empatou, aos 35 daquele tempo. Já era o 3o jogo seguido que a Suíça abria o placar e levava o empate logo em seguida. Por falar no placar, esse ficou inalterado até os 26 da etapa final, quando Senderos desempatou para a Suíça. E Gygax fez mais um, aos 39, repetindo o placar da vitória contra as Ilhas Faroe e deixando a seleção ainda brigando firme para a vaga direta na Copa.

Em Outubro, era hora do returno contra a França. Se o empate em Paris foi possível, uma vitória em Berna seria totalmente cogitável. O primeiro tempo terminou 0x0. Mas Djibril Cissé logo abriu o placar aos 8 da segunda etapa, o que já deixava a França com as duas mãos na liderança do grupo e a vaga direta. Isso se o sujeito que estampa o nome na camisa que está na Mantoteca, Magnin, não fizesse o gol de empate aos 35. E terminaria assim. Tudo se resolveria na última rodada, Israel já estava eliminada após essa rodada, deixando Suíça, França e Irlanda brigando para ver quem carimbaria o passaporte para a Alemanha, quem pegaria a repescagem e quem assistiria a Copa na TV.

Dublin, 12 de Outubro de 2005. Ali a Suíça poderia voltar a frequentar uma Copa depois de 12 anos. A Irlanda poderia classificar-se novamente e tentar surpreender, como fizera em 2002, quando foi barrada pela Espanha apenas nos pênaltis nas oitavas de final. Mas nem a vitória seria suficiente para garantir um dos dois. O adversário da França era o Chipre, a vitória francesa faria os azuis terminarem com 20 pontos, que é o máximo que a Suíça poderia fazer, se vencer a Irlanda. O desempate seria no saldo de gols. Os irlandeses estavam em situação mais crítica. Chegariam a 19 pontos se vencessem, mas jogariam a repescagem com vitória da França.

Mesmo com a imensa pressão para uma vitória, a Irlanda não furou a retranca suíça. O jogo terminou 0x0. A França goleou o Chipre por 4x0 e garantiu a liderança, com 20 pontos. A Irlanda, com 17, foi eliminada da Copa. E a Suíça, com 18 pontos, garantiu a vaga na repescagem por ter um saldo de gols maior do que Israel, que também tinha 18 pontos (+11 contra +5). Mesmo com a campanha invicta, a Suíça passou perto de cair fora. E agora ainda tinham os dois jogos da repescagem.

Talvez a tarefa final da Suíça fosse mais difícil do que toda a fase de grupos das Eliminatórias: jogar contra a Turquia, que foi o 3o lugar da última Copa, decidindo fora de casa. Os inúmeros empates não poderiam ocorrer de hipótese nenhuma naquele primeiro jogo, em Berna. E no dia 12 de Novembro, Senderos aliviou o povo suíço marcando aos 41 da primeira etapa. A Turquia, ofensiva, não conseguia passar da forte defesa suíça. E para tranquilizar mais ainda, Behrami ampliou, também aos 41, só que do segundo tempo. Vitória muito boa da Suíça, que poderia perder por um gol em Istambul e ainda tinha a vantagem do gol fora de casa.


O Estádio Sukru Saracoglu, casa do Fenerbahçe, é um caldeirão. Estava lotado de torcedores turcos naquele dia 16 de Novembro. A missão de reverter o resultado da Suíça era muito difícil, já que essa era uma seleção que costumava levar poucos gols (só Israel conseguiu a proeza nas Eliminatórias, e mesmo assim, o jogo terminou empatado). A situação ficou ainda mais feia quando Frei fez um dos seus típicos gols no início do jogo, logo aos 3 minutos, de pênalti. Mas empurrada pela sua fanática torcida, a Turquia partiu para cima. Aos 22, o atacante Tuncay, que atuava justamente no Fener, dono do estádio, empatou. A torcida turca foi ao delírio quando o mesmo Tuncay virou o jogo aos 36. Mas ainda não era o bastante.

No segundo tempo, a Turquia continuava atacando quando sofreu um pênalti. Necati cobrou e marcou o terceiro, aos 8 do 2o tempo. Primeira vez que a Suíça levava três gols numa partida oficial desde o jogo contra a Inglaterra na última Euro. E realmente parecia que os turcos conseguiriam o resultado. Porém, quando a Turquia estava melhor no jogo, os suíços acharam um contra-ataque após falha do time turco, e Streller não perdoou. Aos 39 do 2o tempo, a Suíça fazia o seu segundo gol e de acordo com o critério dos gols qualificados, estava classificada. Aos 44, a Turquia ainda conseguiu fazer um gol legítimo, terceiro gol de Tuncay, o que mudaria novamente a história do jogo, mas um impedimento inexistente assinalado anulou o tento. E embora tenham tentado fazer mais um gol de qualquer maneira, o tempo acabou. A Turquia estava eliminada. A Suíça voltava para a Copa depois de 12 anos!

Indignados com o resultado, os turcos começaram uma briga generalizada no gramado, partindo para cima da arbitragem e dos suíços, por contestarem o pênalti que resultou no gol visitante e pelo gol mal anulado no fim do jogo que daria a vaga ao time local. Desde a hora da execução dos hinos, a tensão já era evidente: uma vaia gigantesca na hora do hino suíço e um coro impressionante cantando junto aos jogadores a intimidadora "Marcha da Independência", o hino turco. Abaixo, vídeos da confusão no jogo e da execução dos hinos



Após conseguir a vaga na difícil batalha de Istambul, a Suíça estava novamente na Copa. E era hora de aposentar o uniforme que a Puma criou para aqueles dois anos. A marca alemã fornece os uniformes da Suíça desde 1998, e fornecerá os uniformes que o time do país dos canivetes e relógios usará aqui. Ao contrário daquele time de quase 10 anos atrás, a Suíça tornou-se mais ofensiva, principalmente por causa de alguns jogadores naturalizados oriundos da ex-Iugoslávia, como o kosovar Xherdan Shaqiri, do Bayern de Munique. Será que o lugar-comum do "ferrolho suíço" terá seu fim no Brasil?